Nestes mais de 8 anos que trabalho com Ecoturismo junto a Top, escuto muitas pessoas falando do desejo de realizar o Caminho de Santiago de Compostela. Muitas delas não costumam realizar caminhadas, mas desejam realizar “o caminho” por realização pessoal ou por (parece grosseiro) entrar na moda de quem o fez.
Para explicar esse culto ao Caminho, vou explicar um pouco da história e de como essa rota (na verdade, são várias rotas) virou febre entre os peregrinos do mundo.
O apóstolo
A história por trás do Caminho começa com Tiago, apóstolo de Jesus. Que teria sido um dos mais ativos discípulos a espalhar a mensagem do Cristianismo primitivo em Jerusalém após a crucificação. Ele teria ido pregar na Hispania (Antiga península Ibérica onde hoje ficam Espanha e Portugal) através das rotas comerciais existentes com a antiga Palestina. Durante um tempo, percorreu a região da Galiza – região onde está situada a cidade de Santiago de Compostela hoje. Mas, retornou para Jerusalém, sendo decapitado pelos romanos após a proibição de pregar o cristianismo.
Reza a lenda que dois discípulos de Tiago, levaram o corpo de volta à Hispania, enterrando-o na vila de Lupariou, que pertencia ao Reino Pagão da Rainha Lupa muito perto de onde hoje conhecemos como Santiago de Compostela. E assim começou a história….na verdade não. Segue o fio.
O túmulo ficou esquecido durante os 800 anos seguintes. Até que um dia (segundo a lenda), em 813 d.C, um camponês chamado Pelayo, viu uma chuva de estrelas cadentes por dias em uma colina. O próprio São Tiago teria aparecido ao homem para mostrar o local da sepultura. Pelayo então comunicou a descoberta ao bispo Teodomiro de Iria Flavia (cidade próxima). Este comunica ao Rei Alfonso II das Astúrias, o casto, e é o monarca quem caminha para Santiago para verificar os fatos.
O Rei Afonso II foi então, o primeiro peregrino. Realizando o trajeto do que hoje é Oviedo até Santiago de Compostela – o Caminho Primitivo. É ordenada a construção de uma igreja no local do sepulcro, e mais tarde viria ser construída a Catedral de Santiago.
O nome Compostela é vindo do latim Campus Stellae (campo de estrelas).
A estruturação
Ao longo o do século XI uma rota principal começa a ser formada – Caminho Francês – com a construção de pontes, hospitais e hospedarias. Em 1073, começa a construção do atual templo. Mas, o apoio final a consolidação da rota se dá com a com a possibilidade de os peregrinos obterem indulgência plenária pela Igreja, o que significa que realizar o caminho de Santiago poderia converter-se em um perdão de algum pecado. Na Idade Média o Caminho de Santiago também foi usado como punição imposta por um juiz ou como penitência para algum confessor por pecados “particularmente graves”. Os ricos poderiam enviar uma pessoa para fazer a peregrinação por conta própria.
O Caminho foi ganhando estrutura ao longo dos séculos, até que acabou perdendo o prestígio e caiu em declínio no século XVIII. Quando muitas de suas hospedagens e vilas acabaram sendo abandonadas.
Do renascimento ao boom de peregrinos
O Declínio seguiu até o ano de 1987, quando o Conselho da Europa declarou as estradas que conduzem a Santiago de Compostela o “Primeiro Itinerário Cultural Europeu”, graças ao seu papel de “impulsionador do desenvolvimento em seu caminho”. Esta declaração forneceu recursos financeiros para reformar adequadamente o caminho, reestruturar lugares e construir abrigos para abrigar peregrinos. Neste período surgem as setas amarelas – símbolo das rotas. O Papa João Paulo II teve um papel importante, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude em 1989, reuniu meio milhão de jovens de todo o mundo em Santiago.
Hoje existem várias rotas para se chegar até Santiago de Compostela:
- Caminho Francês: Saint- Jean- Pied-de Port (França) a Santiago de Compostela – 775 km
- Caminho Aragonês: Samport (França) a Santiago de Compostela – 940 km
- Caminho Português: Lisboa (Portugal) a Santiago de Compostela – 634 km
- Caminho do Norte: Irún (Espanha) a Santiago de Compostela – 823 km
- Caminho Primitivo: Oviedo (Espanha) a Santiago de Compostela – 314 km
- Caminho Inglês: Ferrol (Espanha) a Santiago de Compostela – 120 km
- Caminho La Plata: Sevilla (Espanha) a Santiago de Compostela – 977 km
- Caminho Le Puy: Velay (França) a Santiago de Compostela – 1.518 km
- Caminho do Inverno: Ponferrada (Espanha) a Santiago de Compostela – 264 km
- Caminho Finisterre: Santiago de Compostela a Finisterre (Espanha) – 89 km
O Caminho se tornou uma marca espalhada pelo mundo. Em diversos locais é possível caminhar e garantir o abono de quilomêtros para finalizar na Espanha. No Brasil temos o Caminho Brasileiro Oficial que fica em Florianópolis. No Rio Grande do Sul temos o Caminho Gaúcho em Santo Antônio da Patrulha. Existem ainda uma série de Caminhos de Caminhadas especiais pelo país como o Caminhos de Caravaggio, Caminho das Missões, Caminhos de Cora Coralina, Caminho da Fé, entre outros.
Ano a ano os peregrinos aumentam, tendo períodos de super lotação inclusive. Além de ser uma rota para autoconhecimento, busca ou pagamento de graças, o Caminho (como toda a sociedade) virou um local de exibição pessoal. Ser peregrino é muito mais que postagem em redes sociais, vai de respeito ao caminho e as comunidades até questões de desapego e de minimalismo de vida. Um conselho: não faça o Caminho por fazer, faça para sentir como é ser um peregrino e viva o Caminho como tal.
Outras dicas que posso dar para quem deseja realizar o Caminho, ou algum outro Caminho, são:
- Prepare-se!
- Treine! Caminhe muito antes de ir!
- Use equipamentos de qualidade – botas, roupas, mochilas, etc…
- Programe-se bem!
- Escolha épocas adequadas – preferencialmente meia estação.
- Estude o roteiro!
E claro: APROVEITE A JORNADA.
Bônus: a Concha – um dos símbolos do Caminho tem várias lendas relacionadas ao seu significado e por que ganhou importância. A história mais comum, diz que a concha da vieira era usada como recipiente para beber água e como prato para refeições, além de ser o comprovante da peregrinação (pois não existiam certificados na Idade Média). Outra versão significa proteção e busca de conhecimento, e ela deveria ser devolvida ao mar em Finisterra (no litoral) com agradecimento. A concha é uma metáfora do Caminho e suas ramificações que levam ao destino final.
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Sobre o autor:
Pablo Campozani, coordenador da Top Trip Adventure.